O valor das Boas Notícias
Como as técnicas e práticas de Boas Notícias podem ajudar equipes de saúde a conduzir melhor a comunicação difícil
"Toda técnica e comunicação de más notícias envolve estar atento às boas notícias.”
Quando falamos em humanização na saúde, falamos essencialmente de comunicação. Inúmeros estudos, pesquisas e protocolos mundiais tratam da comunicação difícil em saúde como estratégia terapêutica e aprimoramento de habilidades médicas. A comunicação de Boas Notícias compõe esta abordagem junto com tantas outras técnicas e proposições. Como habilidade de identificar pontos positivos, valorizá-los e trazê-los para os momentos da comunicação difícil com pacientes, familiares e equipes de saúde, as Boas Notícias são parte de grande importância para lidar com as dificuldades no manejo clínico.
“Toda técnica e comunicação de más notícias envolve estar atento às boas notícias”, diz André Luiz Fioravante, médico geriatra e paliativista, responsável técnico da Rede de Cuidados Continuados no Hospital São Francisco de Ribeirão Preto/Sertãozinho, no interior de São Paulo, onde atua na gestão e coordenação de equipe.
Compartilhar e comemorar a melhora do paciente, por menor que ela seja; usar a comunicação verbal e não verbal como ferramenta; estar aberto e presente para ouvir o outro sem julgamento e reafirmar boas lembranças e memórias afetivas são algumas das técnicas que conduzem as práticas das Boas Notícias.
“Trata-se da habilidade de usar a boa notícia como um facilitador na comunicação difícil em saúde.
É possível incluir vários pontos no nosso dia a dia de onde podemos puxar boas notícias para conseguirmos nos comunicar melhor com os pacientes, familiares e equipe. Quando fazemos essa comunicação difícil em saúde nos cuidados paliativos, por exemplo, englobamos técnicas que aproveitam determinadas condições para que a má notícia que a gente esteja dando, ou o momento difícil que estamos vivendo, seja ancorado por pequenas boas notícias”, explica o médico.
Entre diversos estudos que embasam a aplicação das Boas Notícias na saúde, Fioravante destaca algumas linhas de pesquisa da Psicossomática que trabalham com a chamada espiral ascendente de emoções positivas. “Esta abordagem de tratamento na psicopatologia mostra que quando identificamos as emoções positivas, ou seja, as boas notícias, conseguimos construir e ampliar essas emoções numa espiral. Isso vai gerar recursos biopsicossociais para os pacientes e para nós lidarmos melhor com determinada situação”.
Partindo da experiência prática da rotina, André Fioravante destaca 5 pilares de atenção às Boas Notícias que valem para a atuação na saúde e na postura diante da vida:
1- Valorizar as boas notícias e adubá-las.
Isso vai gerar recursos para o paciente lidar com os momentos difíceis.
É muito importante que a equipe, todos os envolvidos no cuidado, saibam identificar essas boas notícias. Por exemplo, um paciente no momento atual da Covid-19, grave, entubado, mas que abaixou a FiO₂ de 70% para 50%. Isso é uma vitória. Isso é uma boa notícia. É preciso que os profissionais de saúde entendam que isso é importante, que a gente valorize cada conquista para conseguirmos lidar com momentos tão difíceis como os de hoje. Este não é um raciocínio só para a comunicação equipe-paciente/equipe-familiares. É também para a comunicação com a própria equipe, para ela ser vista, ser olhada, e atentar às essas emoções e às boas notícias, por menores que elas sejam.
2- Ter uma fala otimista e cuidar da comunicação não verbal.
Sempre lembrar da nossa linguagem não verbal que deve ser mais aberta, braços descruzados, um olhar sempre ao encontro do olhar do paciente ou familiar, o sorriso... Tudo isso gera mais otimismo e acolhimento durante a comunicação e contribui para trazer boas notícias num cenário difícil.
Para pôr isso em prática, é muito importante olharmos realmente para o ser humano que é o profissional de saúde. Tudo bem ele estar com medo, assustado, estar entrando em burnout. Como profissional de saúde, eu estou, vários outros colegas estão. Aceitar a nossa condição humana, que estamos sim vivendo um momento de muitas incertezas, é o primeiro passo. É importante a gente reconhecer, ajudar e oferecer recursos para esta equipe ser ouvida e também conseguir passar por tudo isso de uma forma menos difícil.
3- Dar abertura e ouvir.
Criar momentos para o paciente, a família e profissionais de saúde falarem.
Muitas vezes, quando ouvimos a vulnerabilidade do nosso paciente, do nosso colaborador, do nosso familiar, do nosso amigo, podemos transformá-la numa força de empoderamento e enfrentamento. Vamos ouvi-los com empatia, de peito aberto, com mente de principiante e sem julgamento. Isso com certeza vai ajudar nessa transformação da vulnerabilidade para o empoderamento. Nós precisamos encontrar a nossa pausa. Nós, pacientes; nós, profissionais de saúde; nós, humanidade. Às vezes, apenas 10 minutos, mas que você se entrega para ouvir e dar espaço ao outro, podem ser muito valiosos.
4- Encorajar pacientes e equipe a compartilhar o sucesso.
Quantos pacientes sobreviveram, quantos saíram bem do CTI, quantos tiveram alta? Quantas boas notícias dentro da enfermaria e do CTI a gente teve?
Mostrar que não existe só número de contaminados, que não é só mortalidade, locais que a gente não consegue colocar os corpos. Isso é uma parte, não é o todo. É muito importante valorizar a outra parte,
a que está dando certo: que muitas pessoas estão se recuperando, que a taxa de mortalidade nos hospitais está diminuindo. Vamos compartilhar e encorajar as pessoas. Perguntar para o paciente: “O que você sentiu de melhora de ontem pra hoje? Compartilha comigo”. Isso ajuda na recuperação, na reabilitação e na autoestima. Todos nós estamos precisando ouvir o lado bom do que acontece.
5- Retomar e compartilhar bons momentos do passado.
Tirar um pouco o foco do presente e trazer boas recordações.
Quando a pessoa relembra um bom momento, uma boa memória, uma viagem, o nascimento de um filho, coisas que marcaram de forma positiva, um efeito positivo adicional é gerado para ela, e é prazeroso também para quem está ouvindo. Então, no meio do caos, quando a gente não está enxergando uma âncora, vamos olhar para trás, vamos ver um momento bom, um momento feliz da nossa vida e trazê-lo
à tona. Isso nos ajuda, pode ser feito com os pacientes, seus familiares e até com a própria equipe, relembrando os cases de sucesso, por exemplo. Melhora a sensação de mal-estar e o sentimento de felicidade é revivido mesmo que por alguns instantes.
Fioravante lembra que não é só a comunicação na saúde que se beneficia dessas condutas. Elas podem ser uma guia para a nossa vida. “É uma comunicação inter-humana, não é uma relação técnica. É como você se comunica com o vizinho, o seu filho, o seu pai. Todos os dias a gente precisa lembrar dessas práticas. Eu mesmo, preciso pausar e lembrar todos os dias: o que eu posso fazer pelas boas notícias hoje? Senão a gente entra no modo automático e isso vai ficando de lado”.
No entanto, os desafios para implementar a cultura das Boas Notícias não são poucos. “O desafio é levar isso para os nossos gestores, colaboradores, membros da equipe multiprofissional. Às vezes é difícil até para nós mesmos darmos espaço para enxergar e cultivar a boa notícia. Em meio ao caos, a gente foca muito no cenário catastrófico. Vamos pausar e olhar o outro lado das boas notícias também. Tanto médicos, como gestores, voluntários, pacientes, familiares, imprensa, a humanidade como um todo”, conclui.